O filme Solaris (1972), dirigido por Andrei Tarkovsky, é uma das obras-primas do cinema soviético, um marco não apenas na ficção científica, mas também no campo do cinema filosófico. Inspirado no romance homônimo do autor polonês Stanisław Lem, o filme propõe uma reflexão profunda sobre a consciência humana, os limites do conhecimento e os mistérios do universo.
O Livro de Stanisław Lem
Publicado em 1961, Solaris é uma obra que transcende os limites do gênero de ficção científica. Lem utiliza a premissa de um planeta coberto por um vasto oceano inteligente, Solaris, como uma metáfora para a impossibilidade de compreensão plena do "outro" e dos mistérios que desafiam o pensamento racional.
Lem não se preocupava em criar uma história de exploração espacial convencional. Pelo contrário, o autor era cético quanto à ideia de que a humanidade poderia realmente compreender uma inteligência alienígena sem projetar nela seus próprios preconceitos e traumas. Para ele, a interação humana com Solaris era mais um reflexo das questões internas da humanidade do que uma verdadeira comunicação interestelar.
A Adaptação de Tarkovsky
Quando Andrei Tarkovsky adaptou Solaris para o cinema, ele tomou liberdades significativas em relação ao material original. Enquanto Lem focava na complexidade científica e filosófica do oceano vivo, Tarkovsky utilizou a narrativa como um meio de explorar questões existenciais, especialmente relacionadas à memória, culpa, amor e perda.
No filme, o psicólogo Kris Kelvin (interpretado por Donatas Banionis) é enviado à estação espacial orbitando Solaris para investigar os estranhos acontecimentos relatados pelos cientistas que trabalham lá. Ao chegar, ele descobre que o planeta manifesta "visitantes" – materializações físicas das memórias e traumas dos habitantes da estação. A manifestação de sua falecida esposa, Hari, coloca Kelvin em uma espiral emocional que desafia sua compreensão de realidade e humanidade.
Enquanto Lem via Solaris como um enigma impenetrável, Tarkovsky humanizou a história, enfatizando os dramas individuais dos personagens e questionando se a humanidade é capaz de lidar com o desconhecido sem projetar nele sua própria subjetividade. Essa diferença gerou uma tensão entre o autor e o diretor: Lem criticou o filme por desviar do que considerava o tema central de sua obra, enquanto Tarkovsky defendeu sua abordagem como uma extensão do romance, não uma reprodução literal.
A estética do filme reflete o ritmo contemplativo de Tarkovsky. Planos longos, cenas de natureza e uma trilha sonora minimalista contribuem para a criação de uma atmosfera melancólica e introspectiva.
Além disso, Tarkovsky contrasta o avanço tecnológico com a nostalgia pelo passado. As cenas na Terra, especialmente as lembranças de Kelvin, são retratadas de maneira idílica, em oposição ao ambiente frio e impessoal da estação espacial. O uso de água como elemento simbólico conecta Solaris ao inconsciente, representando a fluidez da memória e da emoção.
A Relevância de Solaris
Solaris transcende o gênero de ficção científica, questionando a essência do ser humano. Ele se tornou um clássico por sua abordagem atemporal de temas universais.
O filme é também uma peça fundamental para entender as diferenças culturais entre o cinema ocidental e soviético. Enquanto Hollywood frequentemente trata a ficção científica como um espetáculo, Tarkovsky transforma Solaris em uma experiência espiritual e filosófica.
A união das mentes visionárias de Lem e Tarkovsky resultou em duas obras complementares, mas diferentes, cada uma desafiando o público a refletir sobre questões profundas. Solaris não é apenas uma exploração do espaço sideral, mas um mergulho no espaço interior, onde o desconhecido é tanto o "outro" quanto nós mesmos.